sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

PERIGO DA BICICLETAS



Foi bom lembrar dessa época quando meu tio teve 

essa chácara lá pelos confins do bairro Los 

Angeles! 

  Era um lugar muito interessante e a gente 

plantava de tudo ali.  Cana, abóbora, melancia, ingá de metro e também abacaxi.

E numa tarde de Sol tinindo de quente.

  Eu estava plantando em redor da cerca de arame 

farpado os pés de abacaxi.

 Do outro lado da rua na chácara em frente, 

morava a família que era do caseiro de um professor que era amigo do meu tio.

Essa família as vezes recebia a visita de vizinhos e 

pessoas que moravam ao redor.

 E nessa tarde em que eu tava com uma preguiça do 

carvalho, calhou desse caseiro ter vindo até o 

portão da chácara vizinha me chamar.

__ Ei moço ! Ei moço ! O senhor podia vir aqui 

um pouquinho ?

 Eu sempre tive o habito de me fazer de surdo e de 

bobo quando me convém !

 Tentei fingir que nem tava escutando me chamar, 

era longe mesmo né.

  Mas parece que quando a gente num procura 

encrenca é a encrenca que nos procura !

  O velho e o filho aborrecente dele me gritaram 

até eu ter certeza de que era comigo mesmo...

 Com uma pachorra de dar até dó, eu larguei meu 

abacaxi e fui até lá ver o que é que eles queriam.

  Andava com indolência e evidente má vontade e 

aquele povo me apressando: 

__ Rápido moço ! Depressa !

  Eu que não ia me apressar só porque aqueles 

importunos queriam me chamar !

  Finalmente fui até lá pensando que era para 

segurar ou mover alguma coisa muito pesada. 

Quando se é um negão do meu tamanho a gente se 

acostuma a carregar esse país nas costas.

O povo parece que pensa que a obrigação dos bugrão que nem eu é carregar nas costas todos os pesos desse mundo !

  Se é pra carregar um fogão chama o moreno ali! 

Para arrastar uma geladeira, chama ali aquele 

mulato !

 Para carregar aquele sofá chamem aquele grandão.

Para empurrar um caminhão que precisa pegar nos 

tranco.

 Vem aqui fazendo o favor !

 Agora você veja, para fazer força todo mundo te 

chama.

  Mas se entregam uma pizza, ninguém fala vamos 

convidar o bugão ali !

 Se tem um churrasco, ou se fazem um bolo ou 

quando comem um sorvete !

 Aí ninguém te chama não, não é ?

 Eu fui até lá atender o chamado, esperando que já 

seria para fazer algo que aquele povo raquítico e 

baixinho que me chamava era simplesmente 

incapaz de executar.

  Carregar algum tronco de árvore pesado por 

exemplo, sei lá !

  Mas finalmente eu cheguei até la e perguntei pra que é que me chamaram, mas o pai e o garoto não quiseram me contar.

__ Vem aqui um pouquinho moço. Rápido ! 


Rápido!
  
Quando eu entrei uns passos pra dentro do quintal 

eu ia distraído.

  E tinha um tumulto ali perto do portão do lado de 

dentro da cerca.

  Tava a esposa do caseiro, a filha adolescente dele, 

uma vizinha, mais duas crianças ou três, todos ali 

ao redor.

  Eu nem entendi pra que precisavam de mim se 

tinha tanta gente ali em volta.

  Era uma verdadeira multidão !

 E ainda tinham ido me chamar ?

 A esposa do caseiro tava nervosa !

 A filha mocinha, nervosa !

 Uma mulher desconhecida tava vermelha, com os 

olhos marejados de choro.

 E foi só então que eu comecei a entender o sufoco que estava acontecendo , percebi que uma criancinha de menos de três anos estava ali agachada e chorava ao lado de uma bicicleta grande e vermelha.

Não lembro a marca, pode ter sido de uma monark.

Que importa ?

A criancinha tinha conseguido quase que por um 

milagre, enfiar a ponta de um de seus dedinhos 

curiosos e intrometidos.

 DENTRO DA COROA DENTADA NA 

CORRENTE DAQUELA BICICLETA !

E chorava ! É claro ! Tava doendo com toda a 

certeza !

Tava bem na metade da coroa ! Bem travado e no 

centro !

Mas o que aquele bando de patetas estava fazendo 

ali que não viu isso em ?

  A ponta do dedinho da criança já estava ficando

roxinho !

  E quando eu olhei vi que tinha uma marquinha de 

sangue naquele dedo indicador gordinho...

  Não faltou quem tivesse a ideia idiota de tentar 

andar para frente ou para trás a coroa para que 

rodasse e tirasse o dedinho da criança.

  Mas só de tocar naquele pedal já apertava ainda 

mais o dedinho e a criança chorou ainda mais alto !

__ Não! Num pode mexer no pedal senão a 

corrente aperta mais e vai cortar o dedinho da 

criança fora !

__ Ai Meu Deus Do Céu ! E Agora ?

A mãe só sabia gritar e chorar. E a vizinha, mulher 

do caseiro também !

  Aliás todo mundo gritando né...

Calma! Vamos tirar o dedinho da criança daí, mas 

não dá para ser do jeito que entrou !

Todo mundo me apertando pra ter pressa e tirar 

logo a criança, mas o dedinho estava meio que em 

uma zona de conforto.

  Tava apertando mas não tava esmagando, e 

enquanto a gente não puxasse nem empurrasse o 

dedinho da menininha estava garantido.

Foi num relance que me veio a ideia salvadora !

O senhor tem aí uma chave de boca ?

Chave de boca ? Todo mundo se entreolhava um 

para a cara do outro com aquelas caras de patetas 

como se eu tivesse pedido alguma coisa do outro 

mundo.

Uma bandeja de besouros, ou uma sereia de 

biquíni, sei lá.

Ninguém ali tinha a menor ideia do que seria uma 

chave de boca?

É aquela chave de tirar a roda da bicicleta !

  Como é que vocês fazem pra tirar a roda da 

bicicleta ? Ou então se tiver um alicate...

__ Eu sei onde tá as chaves pai !

__ Ei, então vai lá buscar ou traz um alicate se 

você tiver !

Esses adolescentes de treze anos as vezes não são 

tão inúteis quanto eles parecem não é ?

  O garoto correu lá na casa e voltou com as chaves 

que pedi.

  Por sorte era a chave certa.

  Eu então escolhi a chave que caberia na porca da 

roda de trás da bicicleta.

  Do lado da rodinha dentada da catraca.

  Essa é a grande vantagem das modernas bicicletas 

de marcha.

 É muito fácil de afrouxar a corrente e jamais irá 

prender o dedo de alguém de forma a ficar 

grudado.

  Foi só eu afrouxar aquela porca da roda e o eixo 

traseiro ficou livre.

  Eu mal empurrei a roda para a frente e a criança 

tirou o seu dedinho maltratado daquela situação 

que ela mesma se colocara.

  Ficou só um cortinho e estava meio amassado de 

ter se apertado ali tanto tempo e sem circulação.     

  Ficou um pouco roxinho e devia estar bem 

dolorido.

Mas estava salvo. Logo tudo não teria passado de 

um susto!

A mãe agradeceu tanto que só faltou me beijar, e 

todo mundo me elogiava por ter ajudado.

  Mas eu nem fiz nada, apenas afrouxei uma 

porcaria de uma porquinha.

Foi a sorte eles terem a chave e ter também a 
alicate.

Mas a grande sorte mesmo, a sorte maior foi não 

tentarem rodar na marra a corrente pra tirar. 

Teriam amputado o dedinho da bebê.

Daí seria tarde para me chamarem e naquele quase 

início de década de 90 duvido que alguém poderia 

reimplantar dedo como se faz atualmente em 

alguns lugares.

Vendo que agora tudo estava calmo e o problema 

estava resolvido.

 Voltei lá para a minha tarefa inglória de espetar as 

mãos plantando o meu abacaxi, meu primo tinha 

ficado lá plantando e eu cheguei já tinha até quase 

acabado as mudas que tinha.

Ainda me bailava na ideia uma pergunta. O que 

faziam as mães daquelas crianças que não viram 

que a pequenininha estava fuçando logo ali naquela coroa da bicicleta?


Agora já de volta quando me perguntaram o que 

tinha acontecido, eu falei a verdade: __ Uma 

criança tinha prendido o dedo na coroa da 

bicicleta. Eu afrouxei a roda e o dedo saiu...

 Isso foi tudo .

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

ESPORTE É SAÚDE



   Nessa época ou um pouco antes eu tinha 

começado a estudar de manhã, daí o povo da minha escola começou a ir treinar no Belmar Fidalgo. Eu era um ferrado e tão sem grana naquele tempo, que de jeito nenhum que ia ter passe do ônibus para ir todo dia ou três vezes na semana passear lá na cidade só para treinar sei lá o que de atletismo.

A professora de educação física que a gente tinha 

era um barato.

Era brava feito uma sargenta. Mas era muito doido 

as aulas dela.

E a gente fazia ordem unida antes de começar as 

aulas.

Ela falava : __ POSIÇÃO ! COBRIR ! FIRMES !

Posição ! Era para você fazer uma fila indiana do 

menor para o maior. Meninos numa fila, e as 

meninas na outra.

A palavra : Cobrir ! Era para esticar o braço 

direito até quase tocar no ombro da pessoa da frente e ficar com o braço parado.

Quando falava Firmes ! Era para você abaixar o 

braço direito e bater os dois braços pra baixo e as 

duas mãos bater forte na coxa de cada lado para 

fazer um estralo.

Ela falava cobrir firmes toda hora se achasse que 

tinha alguém desanimado e batendo na perna muito 

devagar.

A cocha ficava vermelha e as vezes até ardendo.

A gente tinha que fazer alongamento, exercício de 

aquecimento e sabe Deus o que mais ! Daí jogava 

vôlei, handebol. Queimada, Basquete, futebol de 

salão que agora faz tempo que mudou de nome.

Em toda a época que eu estava na escola eu nunca 

tinha ido treinar. Mas numa época daquelas teve 


uma competição lá no Belmar e todos os alunos 

que tinham aulas de física com a professora Eliane foram convocados para competir com todas as 
crianças de outras escolas de Campo Grande.

Tinha gente do toda parte, do Baís Joaquim 

Murtinho e tantas outras escolas que nem sei de 

onde mais que veio gente.

Pra eu ir pra lá era de manhã bem cedinho, eu 

peguei o ônibus e nem sabia onde era pra gente ir 

pra chegar neste tal Fidalgo.

Daí encontrei um povo da escola e eles também não tinha ideia de onde era. Só muito depois que subiu um pessoal que era da turma que treinava e sabiam chegar lá.

Eu não tinha comido nada pra ir porque saí muito 

cedo.

Lá todo mundo demorava para chegar e a 

competição atrasou toda. Quando foi para a gente 

esperar o começo das provas alguém tinha tido a 

brilhante ideia de dar uma volta de aquecimento em torno da droga da pista. Eu fiquei dolorido e depois não aguentava mais correr quando chegou a hora da minha prova que era só os 100 metros. aff

Foi muito decepcionante. Se eu não tivesse ficado 

fazendo graça

tenho certeza que teria me saído melhor.

Numa bateria de 6 muleques eu fui só o quarto e 

fui eliminado, achei que a minha bateria tinha sido a mais difícil do que todas as outras. Depois de estar eliminado, eu ainda estava inscrito com o resto da ralé dos cabeça nova que nem treinava. E a minha outra prova era a de arremesso de peso.

Só que eu nunca tinha visto um peso de arremessar 

em toda a minha vidaaaaaa !

E a gente tava lá sem nem saber o que tinha que se 

fazer.

As provas das corridas eram simultâneas com o 

nosso arremesso. As meninas da minha sala até que 

se saíram bem e ganharam medalhas de prova das 

corridas, uma ganhou duas de corrida de 100, 200. 

E a outra acho que foi de 400 metros, acho que 

tinha até de 800. Mas numa prova de resistência 

daquela tá na cara que eu não ia render coisa 

nenhuma mesmo.

Daí depois que a gente se perfilou a moça começou 

a explicar como é que tinha quer ser o arremesso, e 

depois nos deu um peso que era só de três quilos 

porque a gente num tinha treino e nem costume 

com o peso oficial.

Eu arremessei parado e era um dos maiores da 

minha idade naquela turminha de falidos. Só que 

tinha um cara meio gordo lá que era bem maior 

que eu e já tinha até barba e bigode.

A categoria era até 16 anos e me pareceu bem 

estranho aquele cara ter dezesseis anos com aquela 

cara de velho.

Ou ele tinha 17 ou 18, sei lá. Mas se tinham 

inscrito ele na prova, fazer o que né ?

Ele arremessava com uma técnica meio estranha, 

rodava e toda hora pisava na parte de fora da pista 

e os dois primeiros arremessos dele foram 

desclassificados.

A técnica dele era muito boa. Mas se empolgava demais na execução dos arremessos.
Desde o meu primeiro arremesso eu assumi a 

liderança da competição. Só que no último 

arremesso o cara consegui um arremesso perfeito. 

Alguns metros mais longe que o meu.

Acho que foi mais longe um metro e 60 .

Resultado ganhei a droga de uma medalha de 

prata, estava escrito SEMCE atrás dela e nem sei o que a palavra significa.

Nem me lembro da cerimonia de premiação, 

porque eram só três pessoas que anotavam mediam 

e fiscalizavam aquela prova toda. E a gente era uns 

15 moleque para fazer o arremesso ou mais.

Dava para deitar na grama e dormir um sono antes 

que chegasse de novo a sua vez de arremessar.

E a gente ficou assistindo as outras provas das 

meninas dando a volta na pista toda de corrida.

Me deram a minha medalha assim que terminou a 

prova, e nem lembro mais qual era o nome do cara 

que ganhou o primeiro lugar e muito menos do que 

foi o terceiro. Só sei que o segundo fui eu!

Depois já na vinda dentro do ônibus eu vi que 

alguém tinha uma medalha de ouro e uma medalha 

de bronze e as duas eram muito mais bonitas do 

que a minha.

 A de bronze era a mais bonita de todas e aposto 

que aquela não iria desbotar igual as outras.

Depois daquilo eu brincava de treinar arremesso de 

peso com umas pedras gigantes que tinha no 

cascalhamento da rua aqui de casa. Ainda não tinha 

asfalto ainda na rua.

Tava ficando até mais fortinho no arremesso.

Só que não sei porque ia ter uma segunda 

competição onde a gente teria que ir competir lá de novo.
  E para gravar o ano e nosso nome nas medalhas que a gente já tinha ganhado e fazer novas provas de competição.

 Foi mais ou menos nessa época que eu comecei a 

fumar, eu bebia e todo fim de semana eu ia pra 

festa a noite inteira.

  Eu já andava desanimado e faltando muito na 

escola.

  Devia ir numa sexta feira ou sábado e eu nem tava 

indo na aula naquela semana.

  Então como eu fui na aula só na segunda feira me 

falaram que tinham sentido a minha falta lá na 

competição.

Só que eu pensava que ia ser nessa semana e não na semana passada. Então nossa equipe se entubou legal, a competição estava ainda mais difícil e só uma menina ganhou uma medalha de bronze eu sei lá.

Mas todo mundo tinha agora o ano e a data 

gravado na sua medalha menos eu que tinha escrito SEMCE na minha.

Eu já tava de saco cheio da escola naquele ano 

mesmo.

  A professora Eliane me deu mais uma bronca por 

eu ter faltado na droga da competição. Mas eu nem 

sabia se ia ter passe para ir na competição naquele 

fim de semana...

  Só sei que tenho a porcaria da medalha até hoje e 

ela meio que derreteu um pouco de tanto ficar 

guardada no meu guarda-roupa.

Nunca mais tive contato com o pessoal daquela 

época para saber quantos deles tem até hoje as 

medalhas que ganharam naquele tempo das 

competição que a gente fez.

A minha é de cobre banhado a prata com o enfeite 

de alumínio escrito honra ao mérito. A correntinha 

derreteu dois gomos do alumínio e o enfeite 

também tá meio estragado mas ainda pode ver o 

que estava escrito nela.

Acho muito legal gente que se dedica esportes.

Pena que eu me dediquei menos a isso do que eu 

deveria...

Se eu não tivesse perdido a data da segunda 

competição teria sido muito bom participar mais 

uma vez, mesmo que eu não ganhasse nada dessa 

participação...

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

MENTIR, É SEMPRE ERRADO ?



 Nessa época eu tava num som que teve na escola, era muito dez aquele tempo.
  Todas as festas que tinha eu ia lá e encontrava a galera toda, e a gente bagunçava muito.
  Daí acontecia cada coisa, tinha brigas, bebida, muita zorra mesmo.
  Como eu disse antes a gente tem a vontade ou o poder de ser o herói da nossa própria história.
 Daí eu sempre penso, porque as pessoas mentem ?
Ou é porque gostam, porque precisam, porque tem a vontade...
 Vai lá saber, não é ?
  Mas a minha pergunta aqui nessa história é se você alguma vez já mentiu?
  Sem precisar, sem ter vontade.
 Sem gostar de mentiras.
  E sem você ter benefício algum ?
Pois é, naquela época meu bairro era barra pesada!
Até hoje a COHAB ainda é fogo !
  Mas naquele tempo... aff
  Eu tava no som na escola, e tava tendo um bingo no pátio coberto bem na frente da cantina.
 Onde tinha muitas cadeiras.
E naquele dia o prêmio era uma bicicleta novinha que o dono da bicicletaria do bairro reformou para doar e que tinha ficado ótima.
  Eu sempre fui um azarado da pior espécie.
  Todo tipo de desgraça vivia a acontecer comigo. Fora que muitas vezes eu mesmo era o causador das piores coisas que me ocorriam e me prejudicavam.
  E tem gente que parece que nasceu de bunda virada para a lua.
Vivem dando sorte em tudo o que fazem...
  Esse episódio foi assim também.
  Tinha um garoto branco, magrelo e mais novo, menor que eu.
  Ele tinha um nariz fino e o cabelo liso, e eu conhecia ele da escola mas a gente se falava bem pouco.
  E adivinha se não era esse magricelo que ganhou a droga do bingo ?
 Virou de repente o dono daquela famosa bicicleta !
Vai ter sorte assim lá na casa do carvalho você poderia pensar.
  Mas acontece que aqui tinha sempre gangues e maloqueiros.
  Tinha um neguinho que era uma praga e também tinha um parentesco com o chefe da gangue daqui das áreas.
 Agora pensa se o malandrinho num cresceu os zóios pra cima da bicicletinha do moleque que ganhou no bingo !
 Daí o João Magrelo, mais conhecido por Quati, me viu de bobeira por ali e veio me perguntar se poderia falar para as pessoas que a bicicleta era minha.
 Na verdade eu não gostei nada dessa gracinha.
 Mentir, sempre pode ser grave e até acarretar algum prejuízo para quem mente.
  E me pareceu que isso sim poderia dar algum tipo de problema pra mim.
  Na minha visão cada pessoa tem o dever e até mais do que isso, tem até a obrigação de saber se virar e resolver os seus próprios problemas.
  A vida afinal, é dura pra todo mundo.
  Li em algum lugar que é obrigação do homem macho catar as suas próprias pulgas.
Eu na hora falei que não mas ele explicou que queria levar a bicicletinha pra casa e iam roubar dele lá fora do portão da escola.
  Essa escola ficava na rua de cima da casa dele e era bem pertinho poucas casas mais para a frente.
  O moleque estava lá sozinho com um irmão mais novo, deveria ter ido com os seus pais, sei lá.
  Ele foi lá dar uma volta e voltou falando que não ia poder sair.
  Eu então concordei que ele falasse que a bicicletinha dele, era minha.
   E ele saiu e foi numa outra direção com o irmão menor e depois sumiu.
 Eu tava ali parado olhando as pessoas circularem e não tinha mesmo nada para fazer.
 E daqui a pouco quem é que aparece ali perto de mim ?
  O Amendoim, “ mudei o nome do cara para preservar a identidade dele ”.
  Pelas leis da malandragem que vigora no país todo, e aqui nas baixada também, quem é um cagueta morre cedo, sabe.
  Pois o gurí veio perguntar pra mim se era verdade que aquela bicicleta nova era minha mesmo.
  Não basta só você mentir pelo jeito.
  Tem que dominar a coisa como se fosse uma arte até !
 Eu falei que sim, era minha a bicicletinha.
 E logo o maloquerinho me informou que estava com aquele guri magrelo.
 E ele tava indo embora com ela.
  Eu quase que sorri da situação, mas falei bem sério para o bandidinho : _ É sim, eu que ganhei.
__ Mas tem um gurí branquinho que tá levando ela.
__ É, eu sei, fui eu que mandei ele levar lá em casa...
_ falei bancando o poderoso, só que nem sei se ele acreditou nisso ou não.
  Mas o que mais ele poderia dizer além de se conformar que tava com o guri por ordem minha.
  Era numa bicicleta pequena para o meu tamanho, de forma que eu poderia dizer depois que vendi pra ele.
  Não deu nenhum prejuízo pra mim, falar que a droga da bicicleta era minha.
 Também não sei que fim levou o Quati com aquela bicicleta.
  Se o “ Amendoim ” ainda queria pegar a bicicletinha dele depois daquela vez.
  Isso foi pra mim, uma vez que uma mentira que é coisa que eu sempre detestei.
  Foi algo útil pra alguém que não tinha nada que ver comigo.
  Como que a gente deve decidir se as mentiras que a gente conta podem ajudar ou prejudicar alguma outra pessoa...
  Você se meteria num caso para salvar um estranho ?
  E se isso pudesse te complicar de alguma maneira e tu soubesse disso, ajudaria alguém mesmo assim ?
 Todo mundo diz que mentir é errado, mentir por um estranho, e sem ganhar nada, ainda assim é estar sendo mau ?






domingo, 26 de janeiro de 2014

O CÃO ENFORCADO


  Eu tinha passado a madrugada quase toda, acordado.
  Daí levantei de manhã lá pelas oito horas e minha mãe me contou um burburinho que tava tendo.
  E lá na COHAB é sempre assim , logo cedo a gente já fica sabendo das novidades, fofocas e desgraças que estão acontecendo.
  A bola da vez era que as crianças tinham se reunido na frente da casa na minha rua que estava vazia.
  A família tinha viajado para passar as férias em uma cidade turística qualquer.
  O pai, a mãe e a criança em idade escolar 8 ou 9 anos, sei lá.
  O filho mais velho tinha ficado, mas tinha saído para o trabalho cedinho seis e meia ou seis horas. Quem vai saber ?
A verdade é que desde as oito horas de uma linda manhã de sol, este cachorro baixinho e perna curta que o povo costuma chamar de cachorro lingüiça, cachorro salsicha, ou cachorrinho COFAP, por causa da famosa marca de amortecedores de carro.
O cão estava sozinho em casa, do lado de dentro.
E querendo sair lá pra fora, ele cismou de meter a cabeça por debaixo de uma fresta de porta.
 Mas acontece que a sua cabeça ficou presa e desde as oito horas da manhã ele estava lá gritando.
Sendo enforcado e sem poder sair  sozinho daquela enrascada.
Daí ao acordar a minha mãe me disse o que estava acontecendo.
Eu nada falei e pouco depois estava dormindo outra vez.
Quando finalmente eu acordei outra vez, já devia ser umas onze da manhã ou quase isso. De pronto já perguntei pra minha mãe se sabia do caso do cachorrinho preso na porta.













Ela disse que nada sabia.
 Disse que devia ainda estar grudado lá gritando com a cabeça debaixo da porta.
  Eu então me dispus a ir até lá dar uma olhada, e tomar pé da situação.
  Lembrei que eu tinha um molho de chaves de todos os tipos, e levei para ver se poderia abrir o cadeado que trancava o portão da casa para entrar no quintal e poder mexer no cão e tirar a cabeça dele daquela posição forçada.
Tem um macete que as vezes o segredo de chave de um cadeado pode abrir outros segredos de uma mesma marca.
Também existe a possibilidade de se fazer uma chave-mestra que abre qualquer segredo de cadeados, ou carros, ou casas.
  Isso se chama chave mixa, no jargão da polícia e das malandragem.
Os ladrões costumam fazer isso para usar e invadir as casas e carros que eles visam roubar.
Também recorre-se à força bruta, quando os outros sistemas falham.
Pois bem, chegando lá vi o cachorro e soube que ele devia estar com fome e com sede desde cedo naquela manhã.
Estavam os vizinhos e crianças todos ao redor e nada podia ser feito dali do lado e fora.
Tinham tentado ligar para o rapaz dono da casa, sem sucesso, a família viajando ele as vezes nem vinha almoçar em casa, só iria chegar tarde, já de noite. E para quem tinha passado a manhã todinha ali enforcado, a perspectiva não era nada de boa, não acham ? Então eu tomei para mim a tarefa de retirar aquele animal dali, com as minhas chaves não foi possível. Daí restava recorrer para a força bruta não é mesmo ?
Sabem, eu acredito que mesmo as piores pessoas deste mundo podem ter alguma coisa para nos ensinar.
Antes eu via um cadeado e pensava em segurança, eu respeitava.
Um dia um sujeito de quem eu nem gostava, porque ele tinha raptado e tentado estuprar minha amiga. Me ensinou uma coisa.
Ele era uma verdadeira peste e detestado por quase todo mundo.
Era drogado, tinha cumprido pena por assaltos e furtos. Tinha só de queixas de estupros mais de dez!
O pai dele era um policial aposentado e usava a sua influência para evitar que ele cumprisse pena por estupro porque sabia que ele ia ser pego, para pagar pelas duras leis da cadeia o que já fez.
Dai nessa noite eu e um vizinho estávamos em frente de nossa casa ele apareceu com duas meninas tomando umas cervejas.
A casa do lado da minha tinha passado um tempo muito longo fechada. Estava posta a venda e nunca aparecia um comprador.
E ele achou de arrombar o cadeado para as meninas poderem entrar na casa vazia e fazer um pipi, já que todos eles estavam tomando cervejas.
Num instantinho ele quebrou o vergalhão de ferro de um muro do outro lado da rua, e foi lá e forçou o cadeado para abrir o portão. Era um cadeado bem grande e muito grosso.
Ele era arrombador profissional, a cadeia as vezes funciona como a verdadeira escola do crime. Eu até achei estranho ele abrir aquele cadeado tão rápido. E pedi pra ele me mostrar como que ele fazia para arrombar.
E ele me falou, depois me mostrou, e assim eu aprendi a usar a força bruta para abrir um cadeado. Só que era um conhecimento que eu jamais em toda a minha vida pensei que fosse precisar usar...
Sempre é bom saber das coisas, e dessa vez para este cachorrinho foi a salvação da lavoura um homem tão mau, ter me ensinado uma coisa também ruim.
Eu vim em casa peguei minhas ferramentas e voltei até lá na frente daquela casa. Daí de posse do equipamento eu vi que poderia abrir com facilidade aquele cadeado porque era fino e frágil o do portão pequeno da casa. Enquanto que o do portão grande de correr era muito forte para eu tentar usar nele a minha arte. Eu então tinha perguntado para a minha vizinha que era do outro lado da rua. Dali em frente da casa, se ela achava que poderia arrombar o cadeado para salvar o cão. Se não teria problemas.
Ela disse que se eu pudesse arrombar que arrombasse logo porque o cachorrinho estava lá sofrendo né.
Nesse ponto os cachorros até que são inteligentes. A galinha é o animal mais estúpido que deus ou sabe la que capeta pôs na face dessa terra. Se uma galinha ficar presa pela cabeça, ela se debate e se puxa até quebrar as asas e estrangular-se pelo pescoço e morrer sufocada.
Aquele cachorro já nem gritava mais coitadinho, apenas nos olhava com aquela cara de pidão, e gemia baixinho quando a gente falava com ele.
Era de uma cor marrom claro, quase caramelo o seu pelo. Tinha a voz forte e um uivo até meio grosso para um cachorrinho daquele tamanho. Me livrar do cadeado no fim foi a parte mais facinha do salvamento.
O vão da porta era estreito demais para caber aquele bicho. Eu peguei uma viga que estava ali e era de escorar na porta e amassei um pouco o metal puxando a ponta da viga por debaixo do ferro daquela porta.
Ela não cedia mais do que poucos milímetros, então me passaram uma vassoura e eu me aproximei da cabeça do cachorro com ela. Ele então entrou em pânico, começou a rosnar e a puxar a cabeça para trás fortemente, mas não ia sair sozinho dali.
Eu peguei a vassoura e puxei para um lado onde a fresta da porta se alargava ainda um pouco mais e por fim o cachorro retirou a sua cabeça daquela prisão onde estava.
Ele se soltou e latia alegremente em mim e ficou lá dentro da casa, onde havia água e comida nos seus pratinhos.
Eu então saí e fechei de volta o portão e até coloquei de volta o cadeado fininho no seu lugar.
Eu nem sequer tinha estourado aquele cadeado como me ensinaram a fazer. Ele logo se abriu todo quando estava sendo forçado e era tão frágil que nem precisou ser quebrado.
Alguém ainda me disse : __ Você é ladrão cara. Você arrombou o cadeado !
Mas eu apenas ajudei o cachorro, e fiz o que achei ser meu dever.
No fundo gosto mais de animais do que de gente. Se não gostam de você nunca os animais vão fingir e nem falar mal de tu pelas costas ! Claro que também um animal não saberá o que seja a gratidão. Quando eu salvei ele, o bicho jamais poderia ver nisso um ato de que ele se visse obrigado a retribuir. Nem ser grato.
Mas amizade de um cachorro em geral é para sempre, ele não abandona quem é amigo nas dificuldades, não trai por dinheiro.
E tinha o agravante que o cão pertencia a uma criança.
Já teve muito caso de criança que até adoeceu só de perder a companhia de seu fiel bichinho de estimação.
Depois fiquei sabendo que o nome do cachorro era Natalino.
Bem, eu salvei o natalino.

Foi o bandido, arrombador e tarado quem me ensinou a fazer a manobra que salvou, o pobre do natalino do sofrimento de estar grudado pela cabeça embaixo do ferro daquela porta.

sábado, 25 de janeiro de 2014

O CÃO. MELHOR INIMIGO



Olha, todo mundo tem o direito de ser o herói em 
suas próprias histórias, da mesma forma que me 
dispus aqui a contar algumas coisas selecionadas 
dos tipos mais absurdos que eu já fiz.
Também tenho vontade de contar algumas coisas 
que eu vi na minha vida, mas que pareceria que é 
impossível que pudesse acontecer...
Quero apenas dizer aqui que cada ato bom ou mau 
que o homem seja capaz de executar, haverá de ter 
uma consequência.
E às vezes a gente nem se da conta do alcance de 
tudo o que faz.
Essa passagem eu vi acontecer na época que eu era 

criança.

Quando então eu mudei do Conjunto Bonança em 

Campo Grande, para morar lá em Anastácio.

Na nossa casa que era pequena e não tinha nem a 

luz elétrica. Era muito pobre, parecia que ia cair 

de tão velha, mas era nossa.

E por uns tempos tivemos por vizinho um velho 

peão de fazenda de quase uns 60 anos que se 

chamava seu Cornélio.

Esteve morando bem perto, alugando um quartinho 

bem do lado de nossa casa.

Ele viajava a cavalo e andava em comitivas de 

transporte de gado desde a sua mocidade.

Na época sempre saía a trabalhar em fazendas 

mesmo agora que já era um idoso.

Era ainda forte e tinha uma égua baia muito dócil, 

a gente brincava muito com ela e com a cachorra muito mansa que ele tinha.

Numa de suas idas e vindas o velho foi trabalhar 

numa fazenda e quando voltou veio acompanhado 

de dois cachorros campeiros de fazenda muito 

grandes e que gostavam de andar com ele.

Um deles tinha a cara e a boca igual à de um pit 

bull.

 Era um cachorro muito alto e forte como um touro.  
O outro era mais alto ainda, mas tinha focinho 

comprido e era um pouco mais claro.

O mais manso deles era esse, meio claro, quase 

branco.

O outro que tinha cara de pit bull era mansinho 

com gente, mas todo cachorro de chácara em geral, tem algum vício ou defeito.

Alguns comem galinhas, outros comem ovos. 

Muitos gostam de brigar. Outros não gostam de 

gente...













O defeito desses dois cachorros era mais grave. Era 

um defeito terrível para quem morava ali no centro 

de Anastácio.

Na nossa rua, aquilo era uma cidade do interior onde tudo era perto e o maior meio de transporte a ser usado era a bicicleta.
 E naquela época do início da década de 1980 ali naquele interior de Mato Grosso do Sul, todo mundo andava armado !

Sim! E o defeito daqueles dois cachorros era 

justamente atropelar e avançar em todo ciclista que 

passasse...

E eram ferozes e grandes o bastante para assustar 

qualquer pessoa e derrubar alguém da bike até.

Eles não iam morder ninguém, mas é claro que os 

povo não sabia disso né. Tinham medo e até caía 

da bicicleta.

Numa noite daquelas, escura e sombria. Na esquina 

de nossa rua nem luz no poste não tinha.

Alguém andou atirando com uma arma de calibre 

22 por ali.

E as noites, aqueles dois cachorros passavam dando 

carreirões nos ciclistas que passavam.

Alguém atirando por ali naquela hora da noite não 

era nenhuma novidade. Nem aqueles latidos todos.

  Mas numa manhã daquelas a gente notou que 

aquele cachorro que a cara parecia ser de pit bull, 

estava deitado e meio triste.

Ficou embaixo da mesa no quintal de casa e não 

estava abrindo um lado de seus olhos e parecia que 

estava até meio inchado.

A gente notou que tinha um furinho na parte de 

baixo bem no cantinho do olho, bem pertinho da 

parte onde faz a emenda com o nariz para formar o 

focinho.

O olho ainda estava em condição de abrir mas só 

ficava fechado e o cachorro ficava incomodado 

com o tanto de moscas de vareja que rodeavam a 

sua cara para lamber o seu sangue...

E esse foi apenas o começo de uma história que 

tinha toda característica para ter se tornado um 

pesadelo.

 Dentro de algum tempo com tanta mosca que 

sentava por ali, começaram a nascer larvas e vareja 

que se infiltraram para dentro do furinho da bala.

A gente nem conhecia direito aquele cachorro 

enorme, não tinha costume com ele.

 Tentamos jogar de longe um pouco de desinfetante pinho para espantar as moscas e as larvas. Mas até onde se sabe, as larvas é preciso retirar uma por 
uma até limpar de vez a ferida.

Eu não sei que crueldade pode levar o ser humano 

ser mau com um animal amigo e nobre como um cachorro do tipo daquele.
Mas se o cão é o melhor amigo do homem. O 

melhor inimigo do cachorro é mesmo a pessoa 

humana. A gente vê que batem neles, torturam, 

jogam para morrer dentro de corguinho. Ou depois 

de morto.

Soltam nas ruas quando não os querem mais.

 E tem gente até queimando vivo !

Teria sido mais bondoso esse cara ter matado logo 

duma vez aquele cachorro ou qualquer outro. 

Porque não deu logo um veneno ou algo assim se 

tinha era essa raiva toda do animal ?

Porque o horror que aquele tiro no cantinho do 

olho causou, foi tanto e tão grande que mesmo a 

pior das criaturas bestiais não merecia ter tido um 

destino como aquele.

Até quando o ser humano vai insistir em ser o 

melhor inimigo dos animais ?

Espero que ele tenha tido a chance de pelo menos 

alguma vez ter passado por ali e visto a desgraça 

que ele criou dando aquele tiro.

As larvas entraram através daquele furinho, mesmo 

a gente jogando o pinho sol. As moscas botaram 

ovos que se desenvolveram em larvas. Essas larvas 

começaram a crescer ali dentro da ferida.

Essa ferida foi aumentando de tamanho.

Ele coçava com a pata enorme o tempo todo. Por 

fim aconteceu o que já era de se esperar, ter larvas 

vivas andando dentro da cara e comendo a carne 

em putrefação acabou lhe vazando o olho daquele lado !

E foi daí sim, que começou o horror de verdade...

O buraco enorme da órbita ocular totalmente vazia 

se alargou enquanto apodrecia, e ficou cheio de um 

líquido podre, onde nadavam, andavam e se 

desenvolviam mais e mais larvas.

Quando aquele cachorrão chacoalhava a cabeça, se 

espirrava aquele líquido podre e se espalhavam 

corozinhos em todas as direções possíveis.

E quando ele deitava, ficava pingando o liquido e 

os coró ficavam descendo e caindo no chão, mas o 

estoque era inesgotável de larvas porque sempre 

novas moscas sentavam mais e mais varejas todos 

os dias.

A gente ainda dava comida e água para o cão mas 

ele perdia peso dia após dia.

A gente agora tinha medo de chegar muito perto 

dele e espirrar aquele líquido pútrido na gente. Ele 

andava pela rua e pelos quintais ao redor.  Causando nojos e horror em todo mundo que ousava olhar para ele.
 Eu era criança, mas tinha um estômago de avestruz, não tinha nojo de quase nada mas até em mim ver a cara daquele cachorro de longe ou de perto já me dava nojo.

E a gente esperava ele sair de perto para sair pra 

fora de casa e fazer as tarefas.

 Nunca nem eu nem meu irmão, num tentava mais tocar naquele animal.

Era só de longe. E, até logo, até logo!

Ele andou muito por lá pela rua, mas tinha parado 

de correr atrás das bicicletas devido a atual 

debilidade de sua saúde.

Do seu Cornélio que era o dono do animal a gente 

não tinha mais notícias. Ele tinha sumido para 

a fazenda e o outro cachorrão tinha ido com ele e 

só o perebento foi o que ficou para trás.

Acontecia uma coisa engraçada lá em Anastácio 

naquela época de 1982.

 Não tinha carrocinha, nem serviço público de 

recolha de animal doente.

 Hospital veterinário só devia ter em Aquidauana a 

cidade vizinha.

 E Não havia recursos de levar um bicho daquele 

tamanho pra ser cuidado por alguém, eu e meu 

irmão era criança.

E o cão foi definhando até ficar quase só a caveira andando em pé, o corpo vigoroso daquele cachorrão sadio que tinha vindo da fazenda. Se degradou.
E por fim ossudo e horroroso, ele acabou ficando 
também louco !
Ele via uma pessoa vindo, ele já erguia bem a cabeça e as orelhas. Olhava as pessoas como se tivesse vendo alucinações, ele avançava nas pessoas rosnando e mostrando bem todos os dentes. Só que ainda bem que ele não tinha forças para correr 
atrás de ninguém.
Foi numa manhã fria e chuvosa de garoa fina.
 Que eu vi dias depois que ele estava mal, sua agonia estava finalmente terminando, a perda de apetite, de sangue, da carne da cara, ficando com aquele osso à mostra...

E a infecção generalizada, agora tinham feito o seu efeito.

 E estavam dando cabo da vida e do sofrimento 

daquele animal que outrora tinha sido um cão 

alegre e brincalhão.

Ele deitou-se bem debaixo da minha janela de 

madeira.

Daquelas que eram de abrir puxando pra dentro. 

Era de fechar com uma tramela.

Eu ainda fiz barulho para mexer com ele mas ele 

nem mais reagiu.

 Tudo ao seu redor agora era indiferente.

Deitou-se embaixo de uma goteira do telhado e 

apenas respirava fracamente.

 Aquele buracão no seu olho fervilhava de coró 

como sempre.

Cheio de um liquido preto e um bando de corós 

muito gordos e igualmente pretos começaram a sair 

e se jogar em direção à areia molhada.

O final chegou muito lentamente, toda hora eu ia lá 

olhar e via que ele ainda estava respirando. 

Fracamente.

Até que por fim não estava mais mexendo nada, e o 

seu pulmão e as costelas aparentes que ficavam à 

mostra estavam imóveis...

Eu ficava olhando aquelas costelas e aquele corpo 

morto.

 Que até mesmo os vermes já abandonavam porque 

nem poderiam extrair mais a sua vida dali.

Porque ainda chovia, nós nada fizemos além de ver 

que o animal estava ali agora e seria questão de 

tempo até ele começar a se apodrecer de uma vez.

Assim que a chuva passou nós o levamos amarrado 

arrastando pela rua até um pedaço bem afastado 

dali de nossa casa e o levamos até perto de um 

enorme terreno despovoado que era tomado pelo 

mato.

 Largamos ali o cadáver do cachorro, sem enterrar 

nem fazer mais nada.

Dias depois lembramos quando a gente passava por 

ali por perto.

Naquela altura da rua e nós vimos que o matagal 

que existia ali tinha sido queimado e os pobres 

despojos apareciam desde longe, carbonizados e 

podres.

Prestes a desaparecer.

 Por fim ficaram apenas os ossinhos.

No fim da vida de qualquer ser vivo está 

estabelecida que um dia sobrevirá a morte.

Mas até mesmo para morrer o dia e até a hora pode 

ser adiado ou até mesmo amenizado.

Me vem na ideia a sensação de que cada vez mais 

os seres humanos estão desumanos uns com os 

outros e o cão que era o melhor amigo do homem 

deve estar com as barbas de molho.

Com medo de ser trocado por algum tamagochi ou 

até mesmo um gato.

No mundo que cada vez mais esta corrido e onde a 

gente cada vez mais tenta optar pelo politicamente 

correto.

 Quando vai chegar a hora, se é que chega algum 

dia.



De tratar com justiça e humanidade até mesmo um 

animal...  Pra que o bicho possa ser chamado com 

justiça, O MELHOR AMIGO DO HOMEM.

E o homem deixe de ser o melhor inimigo de 

qualquer animal.