sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

PERIGO DA BICICLETAS



Foi bom lembrar dessa época quando meu tio teve 

essa chácara lá pelos confins do bairro Los 

Angeles! 

  Era um lugar muito interessante e a gente 

plantava de tudo ali.  Cana, abóbora, melancia, ingá de metro e também abacaxi.

E numa tarde de Sol tinindo de quente.

  Eu estava plantando em redor da cerca de arame 

farpado os pés de abacaxi.

 Do outro lado da rua na chácara em frente, 

morava a família que era do caseiro de um professor que era amigo do meu tio.

Essa família as vezes recebia a visita de vizinhos e 

pessoas que moravam ao redor.

 E nessa tarde em que eu tava com uma preguiça do 

carvalho, calhou desse caseiro ter vindo até o 

portão da chácara vizinha me chamar.

__ Ei moço ! Ei moço ! O senhor podia vir aqui 

um pouquinho ?

 Eu sempre tive o habito de me fazer de surdo e de 

bobo quando me convém !

 Tentei fingir que nem tava escutando me chamar, 

era longe mesmo né.

  Mas parece que quando a gente num procura 

encrenca é a encrenca que nos procura !

  O velho e o filho aborrecente dele me gritaram 

até eu ter certeza de que era comigo mesmo...

 Com uma pachorra de dar até dó, eu larguei meu 

abacaxi e fui até lá ver o que é que eles queriam.

  Andava com indolência e evidente má vontade e 

aquele povo me apressando: 

__ Rápido moço ! Depressa !

  Eu que não ia me apressar só porque aqueles 

importunos queriam me chamar !

  Finalmente fui até lá pensando que era para 

segurar ou mover alguma coisa muito pesada. 

Quando se é um negão do meu tamanho a gente se 

acostuma a carregar esse país nas costas.

O povo parece que pensa que a obrigação dos bugrão que nem eu é carregar nas costas todos os pesos desse mundo !

  Se é pra carregar um fogão chama o moreno ali! 

Para arrastar uma geladeira, chama ali aquele 

mulato !

 Para carregar aquele sofá chamem aquele grandão.

Para empurrar um caminhão que precisa pegar nos 

tranco.

 Vem aqui fazendo o favor !

 Agora você veja, para fazer força todo mundo te 

chama.

  Mas se entregam uma pizza, ninguém fala vamos 

convidar o bugão ali !

 Se tem um churrasco, ou se fazem um bolo ou 

quando comem um sorvete !

 Aí ninguém te chama não, não é ?

 Eu fui até lá atender o chamado, esperando que já 

seria para fazer algo que aquele povo raquítico e 

baixinho que me chamava era simplesmente 

incapaz de executar.

  Carregar algum tronco de árvore pesado por 

exemplo, sei lá !

  Mas finalmente eu cheguei até la e perguntei pra que é que me chamaram, mas o pai e o garoto não quiseram me contar.

__ Vem aqui um pouquinho moço. Rápido ! 


Rápido!
  
Quando eu entrei uns passos pra dentro do quintal 

eu ia distraído.

  E tinha um tumulto ali perto do portão do lado de 

dentro da cerca.

  Tava a esposa do caseiro, a filha adolescente dele, 

uma vizinha, mais duas crianças ou três, todos ali 

ao redor.

  Eu nem entendi pra que precisavam de mim se 

tinha tanta gente ali em volta.

  Era uma verdadeira multidão !

 E ainda tinham ido me chamar ?

 A esposa do caseiro tava nervosa !

 A filha mocinha, nervosa !

 Uma mulher desconhecida tava vermelha, com os 

olhos marejados de choro.

 E foi só então que eu comecei a entender o sufoco que estava acontecendo , percebi que uma criancinha de menos de três anos estava ali agachada e chorava ao lado de uma bicicleta grande e vermelha.

Não lembro a marca, pode ter sido de uma monark.

Que importa ?

A criancinha tinha conseguido quase que por um 

milagre, enfiar a ponta de um de seus dedinhos 

curiosos e intrometidos.

 DENTRO DA COROA DENTADA NA 

CORRENTE DAQUELA BICICLETA !

E chorava ! É claro ! Tava doendo com toda a 

certeza !

Tava bem na metade da coroa ! Bem travado e no 

centro !

Mas o que aquele bando de patetas estava fazendo 

ali que não viu isso em ?

  A ponta do dedinho da criança já estava ficando

roxinho !

  E quando eu olhei vi que tinha uma marquinha de 

sangue naquele dedo indicador gordinho...

  Não faltou quem tivesse a ideia idiota de tentar 

andar para frente ou para trás a coroa para que 

rodasse e tirasse o dedinho da criança.

  Mas só de tocar naquele pedal já apertava ainda 

mais o dedinho e a criança chorou ainda mais alto !

__ Não! Num pode mexer no pedal senão a 

corrente aperta mais e vai cortar o dedinho da 

criança fora !

__ Ai Meu Deus Do Céu ! E Agora ?

A mãe só sabia gritar e chorar. E a vizinha, mulher 

do caseiro também !

  Aliás todo mundo gritando né...

Calma! Vamos tirar o dedinho da criança daí, mas 

não dá para ser do jeito que entrou !

Todo mundo me apertando pra ter pressa e tirar 

logo a criança, mas o dedinho estava meio que em 

uma zona de conforto.

  Tava apertando mas não tava esmagando, e 

enquanto a gente não puxasse nem empurrasse o 

dedinho da menininha estava garantido.

Foi num relance que me veio a ideia salvadora !

O senhor tem aí uma chave de boca ?

Chave de boca ? Todo mundo se entreolhava um 

para a cara do outro com aquelas caras de patetas 

como se eu tivesse pedido alguma coisa do outro 

mundo.

Uma bandeja de besouros, ou uma sereia de 

biquíni, sei lá.

Ninguém ali tinha a menor ideia do que seria uma 

chave de boca?

É aquela chave de tirar a roda da bicicleta !

  Como é que vocês fazem pra tirar a roda da 

bicicleta ? Ou então se tiver um alicate...

__ Eu sei onde tá as chaves pai !

__ Ei, então vai lá buscar ou traz um alicate se 

você tiver !

Esses adolescentes de treze anos as vezes não são 

tão inúteis quanto eles parecem não é ?

  O garoto correu lá na casa e voltou com as chaves 

que pedi.

  Por sorte era a chave certa.

  Eu então escolhi a chave que caberia na porca da 

roda de trás da bicicleta.

  Do lado da rodinha dentada da catraca.

  Essa é a grande vantagem das modernas bicicletas 

de marcha.

 É muito fácil de afrouxar a corrente e jamais irá 

prender o dedo de alguém de forma a ficar 

grudado.

  Foi só eu afrouxar aquela porca da roda e o eixo 

traseiro ficou livre.

  Eu mal empurrei a roda para a frente e a criança 

tirou o seu dedinho maltratado daquela situação 

que ela mesma se colocara.

  Ficou só um cortinho e estava meio amassado de 

ter se apertado ali tanto tempo e sem circulação.     

  Ficou um pouco roxinho e devia estar bem 

dolorido.

Mas estava salvo. Logo tudo não teria passado de 

um susto!

A mãe agradeceu tanto que só faltou me beijar, e 

todo mundo me elogiava por ter ajudado.

  Mas eu nem fiz nada, apenas afrouxei uma 

porcaria de uma porquinha.

Foi a sorte eles terem a chave e ter também a 
alicate.

Mas a grande sorte mesmo, a sorte maior foi não 

tentarem rodar na marra a corrente pra tirar. 

Teriam amputado o dedinho da bebê.

Daí seria tarde para me chamarem e naquele quase 

início de década de 90 duvido que alguém poderia 

reimplantar dedo como se faz atualmente em 

alguns lugares.

Vendo que agora tudo estava calmo e o problema 

estava resolvido.

 Voltei lá para a minha tarefa inglória de espetar as 

mãos plantando o meu abacaxi, meu primo tinha 

ficado lá plantando e eu cheguei já tinha até quase 

acabado as mudas que tinha.

Ainda me bailava na ideia uma pergunta. O que 

faziam as mães daquelas crianças que não viram 

que a pequenininha estava fuçando logo ali naquela coroa da bicicleta?


Agora já de volta quando me perguntaram o que 

tinha acontecido, eu falei a verdade: __ Uma 

criança tinha prendido o dedo na coroa da 

bicicleta. Eu afrouxei a roda e o dedo saiu...

 Isso foi tudo .

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