domingo, 26 de janeiro de 2014

O CÃO ENFORCADO


  Eu tinha passado a madrugada quase toda, acordado.
  Daí levantei de manhã lá pelas oito horas e minha mãe me contou um burburinho que tava tendo.
  E lá na COHAB é sempre assim , logo cedo a gente já fica sabendo das novidades, fofocas e desgraças que estão acontecendo.
  A bola da vez era que as crianças tinham se reunido na frente da casa na minha rua que estava vazia.
  A família tinha viajado para passar as férias em uma cidade turística qualquer.
  O pai, a mãe e a criança em idade escolar 8 ou 9 anos, sei lá.
  O filho mais velho tinha ficado, mas tinha saído para o trabalho cedinho seis e meia ou seis horas. Quem vai saber ?
A verdade é que desde as oito horas de uma linda manhã de sol, este cachorro baixinho e perna curta que o povo costuma chamar de cachorro lingüiça, cachorro salsicha, ou cachorrinho COFAP, por causa da famosa marca de amortecedores de carro.
O cão estava sozinho em casa, do lado de dentro.
E querendo sair lá pra fora, ele cismou de meter a cabeça por debaixo de uma fresta de porta.
 Mas acontece que a sua cabeça ficou presa e desde as oito horas da manhã ele estava lá gritando.
Sendo enforcado e sem poder sair  sozinho daquela enrascada.
Daí ao acordar a minha mãe me disse o que estava acontecendo.
Eu nada falei e pouco depois estava dormindo outra vez.
Quando finalmente eu acordei outra vez, já devia ser umas onze da manhã ou quase isso. De pronto já perguntei pra minha mãe se sabia do caso do cachorrinho preso na porta.













Ela disse que nada sabia.
 Disse que devia ainda estar grudado lá gritando com a cabeça debaixo da porta.
  Eu então me dispus a ir até lá dar uma olhada, e tomar pé da situação.
  Lembrei que eu tinha um molho de chaves de todos os tipos, e levei para ver se poderia abrir o cadeado que trancava o portão da casa para entrar no quintal e poder mexer no cão e tirar a cabeça dele daquela posição forçada.
Tem um macete que as vezes o segredo de chave de um cadeado pode abrir outros segredos de uma mesma marca.
Também existe a possibilidade de se fazer uma chave-mestra que abre qualquer segredo de cadeados, ou carros, ou casas.
  Isso se chama chave mixa, no jargão da polícia e das malandragem.
Os ladrões costumam fazer isso para usar e invadir as casas e carros que eles visam roubar.
Também recorre-se à força bruta, quando os outros sistemas falham.
Pois bem, chegando lá vi o cachorro e soube que ele devia estar com fome e com sede desde cedo naquela manhã.
Estavam os vizinhos e crianças todos ao redor e nada podia ser feito dali do lado e fora.
Tinham tentado ligar para o rapaz dono da casa, sem sucesso, a família viajando ele as vezes nem vinha almoçar em casa, só iria chegar tarde, já de noite. E para quem tinha passado a manhã todinha ali enforcado, a perspectiva não era nada de boa, não acham ? Então eu tomei para mim a tarefa de retirar aquele animal dali, com as minhas chaves não foi possível. Daí restava recorrer para a força bruta não é mesmo ?
Sabem, eu acredito que mesmo as piores pessoas deste mundo podem ter alguma coisa para nos ensinar.
Antes eu via um cadeado e pensava em segurança, eu respeitava.
Um dia um sujeito de quem eu nem gostava, porque ele tinha raptado e tentado estuprar minha amiga. Me ensinou uma coisa.
Ele era uma verdadeira peste e detestado por quase todo mundo.
Era drogado, tinha cumprido pena por assaltos e furtos. Tinha só de queixas de estupros mais de dez!
O pai dele era um policial aposentado e usava a sua influência para evitar que ele cumprisse pena por estupro porque sabia que ele ia ser pego, para pagar pelas duras leis da cadeia o que já fez.
Dai nessa noite eu e um vizinho estávamos em frente de nossa casa ele apareceu com duas meninas tomando umas cervejas.
A casa do lado da minha tinha passado um tempo muito longo fechada. Estava posta a venda e nunca aparecia um comprador.
E ele achou de arrombar o cadeado para as meninas poderem entrar na casa vazia e fazer um pipi, já que todos eles estavam tomando cervejas.
Num instantinho ele quebrou o vergalhão de ferro de um muro do outro lado da rua, e foi lá e forçou o cadeado para abrir o portão. Era um cadeado bem grande e muito grosso.
Ele era arrombador profissional, a cadeia as vezes funciona como a verdadeira escola do crime. Eu até achei estranho ele abrir aquele cadeado tão rápido. E pedi pra ele me mostrar como que ele fazia para arrombar.
E ele me falou, depois me mostrou, e assim eu aprendi a usar a força bruta para abrir um cadeado. Só que era um conhecimento que eu jamais em toda a minha vida pensei que fosse precisar usar...
Sempre é bom saber das coisas, e dessa vez para este cachorrinho foi a salvação da lavoura um homem tão mau, ter me ensinado uma coisa também ruim.
Eu vim em casa peguei minhas ferramentas e voltei até lá na frente daquela casa. Daí de posse do equipamento eu vi que poderia abrir com facilidade aquele cadeado porque era fino e frágil o do portão pequeno da casa. Enquanto que o do portão grande de correr era muito forte para eu tentar usar nele a minha arte. Eu então tinha perguntado para a minha vizinha que era do outro lado da rua. Dali em frente da casa, se ela achava que poderia arrombar o cadeado para salvar o cão. Se não teria problemas.
Ela disse que se eu pudesse arrombar que arrombasse logo porque o cachorrinho estava lá sofrendo né.
Nesse ponto os cachorros até que são inteligentes. A galinha é o animal mais estúpido que deus ou sabe la que capeta pôs na face dessa terra. Se uma galinha ficar presa pela cabeça, ela se debate e se puxa até quebrar as asas e estrangular-se pelo pescoço e morrer sufocada.
Aquele cachorro já nem gritava mais coitadinho, apenas nos olhava com aquela cara de pidão, e gemia baixinho quando a gente falava com ele.
Era de uma cor marrom claro, quase caramelo o seu pelo. Tinha a voz forte e um uivo até meio grosso para um cachorrinho daquele tamanho. Me livrar do cadeado no fim foi a parte mais facinha do salvamento.
O vão da porta era estreito demais para caber aquele bicho. Eu peguei uma viga que estava ali e era de escorar na porta e amassei um pouco o metal puxando a ponta da viga por debaixo do ferro daquela porta.
Ela não cedia mais do que poucos milímetros, então me passaram uma vassoura e eu me aproximei da cabeça do cachorro com ela. Ele então entrou em pânico, começou a rosnar e a puxar a cabeça para trás fortemente, mas não ia sair sozinho dali.
Eu peguei a vassoura e puxei para um lado onde a fresta da porta se alargava ainda um pouco mais e por fim o cachorro retirou a sua cabeça daquela prisão onde estava.
Ele se soltou e latia alegremente em mim e ficou lá dentro da casa, onde havia água e comida nos seus pratinhos.
Eu então saí e fechei de volta o portão e até coloquei de volta o cadeado fininho no seu lugar.
Eu nem sequer tinha estourado aquele cadeado como me ensinaram a fazer. Ele logo se abriu todo quando estava sendo forçado e era tão frágil que nem precisou ser quebrado.
Alguém ainda me disse : __ Você é ladrão cara. Você arrombou o cadeado !
Mas eu apenas ajudei o cachorro, e fiz o que achei ser meu dever.
No fundo gosto mais de animais do que de gente. Se não gostam de você nunca os animais vão fingir e nem falar mal de tu pelas costas ! Claro que também um animal não saberá o que seja a gratidão. Quando eu salvei ele, o bicho jamais poderia ver nisso um ato de que ele se visse obrigado a retribuir. Nem ser grato.
Mas amizade de um cachorro em geral é para sempre, ele não abandona quem é amigo nas dificuldades, não trai por dinheiro.
E tinha o agravante que o cão pertencia a uma criança.
Já teve muito caso de criança que até adoeceu só de perder a companhia de seu fiel bichinho de estimação.
Depois fiquei sabendo que o nome do cachorro era Natalino.
Bem, eu salvei o natalino.

Foi o bandido, arrombador e tarado quem me ensinou a fazer a manobra que salvou, o pobre do natalino do sofrimento de estar grudado pela cabeça embaixo do ferro daquela porta.

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