Olha, todo mundo tem o direito de ser o herói em
suas
próprias histórias, da mesma forma que me
dispus aqui a contar
algumas coisas selecionadas
dos tipos mais absurdos que eu já fiz.
Também tenho vontade de contar algumas coisas
que eu vi
na minha vida, mas que pareceria que é
impossível que pudesse
acontecer...
Quero apenas dizer aqui que cada ato bom ou mau
que o
homem seja capaz de executar, haverá de ter
uma consequência.
E às vezes a gente nem se da conta do alcance de
tudo o que faz.
Essa passagem eu vi acontecer na época que eu era
criança.
Quando
então eu mudei do Conjunto Bonança em
Campo Grande, para morar lá
em Anastácio.
Na
nossa casa que era pequena e não tinha nem a
luz elétrica. Era
muito pobre, parecia que ia cair
de tão velha, mas era nossa.
E
por uns tempos tivemos por vizinho um velho
peão de fazenda de
quase uns 60 anos que se
chamava seu Cornélio.
Esteve
morando bem perto, alugando um quartinho
bem do lado de nossa casa.
Ele viajava a cavalo e andava em comitivas de
transporte
de gado desde a sua mocidade.
Na
época sempre saía a trabalhar em fazendas
mesmo agora que já era
um idoso.
Era ainda forte e tinha uma égua baia muito dócil,
e a
gente brincava muito com ela e com a cachorra muito mansa que ele
tinha.
Numa de suas idas e vindas o velho foi trabalhar
numa
fazenda e quando voltou veio acompanhado
de dois cachorros campeiros
de fazenda muito
grandes e que gostavam de andar com ele.
Um
deles tinha a cara e a boca igual à de um pit
bull.
Era um cachorro
muito alto e forte como um touro.
O outro era mais alto ainda, mas
tinha focinho
comprido e era um pouco mais claro.
O
mais manso deles era esse, meio claro, quase
branco.
O
outro que tinha cara de pit bull era mansinho
com gente, mas todo
cachorro de chácara em geral, tem algum vício ou defeito.
Alguns comem galinhas, outros comem ovos.
Muitos gostam
de brigar. Outros não gostam de
gente...
O
defeito desses dois cachorros era mais grave. Era
um defeito
terrível para quem morava ali no centro
de Anastácio.
Na
nossa rua, aquilo era uma cidade do interior onde tudo era perto e o maior
meio de transporte a ser usado era a bicicleta.
E naquela época do início da década de 1980 ali naquele interior de Mato Grosso do Sul, todo mundo andava armado !
E naquela época do início da década de 1980 ali naquele interior de Mato Grosso do Sul, todo mundo andava armado !
Sim! E o defeito daqueles dois cachorros era
justamente
atropelar e avançar em todo ciclista que
passasse...
E
eram ferozes e grandes o bastante para assustar
qualquer pessoa e
derrubar alguém da bike até.
Eles não iam morder ninguém, mas é claro que os
povo
não sabia disso né. Tinham medo e até caía
da bicicleta.
Numa noite daquelas, escura e sombria. Na esquina
de
nossa rua nem luz no poste não tinha.
Alguém andou atirando com uma arma de calibre
22 por
ali.
E
as noites, aqueles dois cachorros passavam dando
carreirões nos
ciclistas que passavam.
Alguém atirando por ali naquela hora da noite não
era
nenhuma novidade. Nem aqueles latidos todos.
Mas numa manhã daquelas a gente notou que
aquele
cachorro que a cara parecia ser de pit bull,
estava deitado e meio
triste.
Ficou embaixo da mesa no quintal de casa e não
estava
abrindo um lado de seus olhos e parecia que
estava até meio inchado.
A
gente notou que tinha um furinho na parte de
baixo bem no cantinho do
olho, bem pertinho da
parte onde faz a emenda com o nariz para formar
o
focinho.
O
olho ainda estava em condição de abrir mas só
ficava fechado e o
cachorro ficava incomodado
com o tanto de moscas de vareja que
rodeavam a
sua cara para lamber o seu sangue...
E
esse foi apenas o começo de uma história que
tinha toda
característica para ter se tornado um
pesadelo.
Dentro de algum tempo com tanta mosca que
sentava por
ali, começaram a nascer larvas e vareja
que se infiltraram para
dentro do furinho da bala.
A
gente nem conhecia direito aquele cachorro
enorme, não tinha costume
com ele.
Tentamos jogar de longe um pouco de desinfetante pinho para
espantar as moscas e as larvas. Mas até onde se sabe, as larvas é
preciso retirar uma por
uma até limpar de vez a ferida.
Eu não sei que crueldade pode levar o ser humano
a ser
mau com um animal amigo e nobre como um cachorro do tipo daquele.
Mas se o cão é o melhor amigo do homem. O
melhor
inimigo do cachorro é mesmo a pessoa
humana. A gente vê que batem
neles, torturam,
jogam para morrer dentro de corguinho. Ou depois
de
morto.
Soltam nas ruas quando não os querem mais.
E tem gente
até queimando vivo !
Teria sido mais bondoso esse cara ter matado logo
duma
vez aquele cachorro ou qualquer outro.
Porque não deu logo um veneno
ou algo assim se
tinha era essa raiva toda do animal ?
Porque o horror que aquele tiro no cantinho do
olho
causou, foi tanto e tão grande que mesmo a
pior das criaturas
bestiais não merecia ter tido um
destino como aquele.
Até quando o ser humano vai insistir em ser o
melhor
inimigo dos animais ?
Espero que ele tenha tido a chance de pelo menos
alguma
vez ter passado por ali e visto a desgraça
que ele criou dando
aquele tiro.
As larvas entraram através daquele furinho, mesmo
a
gente jogando o pinho sol. As moscas botaram
ovos que se
desenvolveram em larvas. Essas larvas
começaram a crescer ali dentro
da ferida.
Essa ferida foi aumentando de tamanho.
Ele
coçava com a pata enorme o tempo todo. Por
fim aconteceu o que já
era de se esperar, ter larvas
vivas andando dentro da cara e comendo
a carne
em putrefação acabou lhe vazando o olho daquele lado !
E
foi daí sim, que começou o horror de verdade...
O
buraco enorme da órbita ocular totalmente vazia
se alargou enquanto
apodrecia, e ficou cheio de um
líquido podre, onde nadavam, andavam
e se
desenvolviam mais e mais larvas.
Quando aquele cachorrão chacoalhava a cabeça, se
espirrava aquele líquido podre e se espalhavam
corozinhos em todas
as direções possíveis.
E
quando ele deitava, ficava pingando o liquido e
os coró ficavam
descendo e caindo no chão, mas o
estoque era inesgotável de larvas
porque sempre
novas moscas sentavam mais e mais varejas todos
os dias.
A
gente ainda dava comida e água para o cão mas
ele perdia peso dia
após dia.
A
gente agora tinha medo de chegar muito perto
dele e espirrar aquele
líquido pútrido na gente. Ele
andava pela rua e pelos quintais ao
redor. Causando nojos e horror em todo mundo que ousava olhar para
ele.
Eu era criança, mas tinha um estômago de avestruz, não tinha
nojo de quase nada mas até em mim ver a cara daquele cachorro de
longe ou de perto já me dava nojo.
E
a gente esperava ele sair de perto para sair pra
fora de casa e fazer
as tarefas.
Nunca nem eu nem meu irmão, num tentava mais tocar
naquele animal.
Era só de longe. E, até logo, até logo!
Ele andou muito por lá pela rua, mas tinha parado
de
correr atrás das bicicletas devido a atual
debilidade de sua saúde.
Do
seu Cornélio que era o dono do animal a gente
não tinha mais
notícias. Ele tinha sumido para
a fazenda e o outro cachorrão tinha
ido com ele e
só o perebento foi o que ficou para trás.
Acontecia uma coisa engraçada lá em Anastácio
naquela
época de 1982.
Não
tinha carrocinha, nem serviço público de
recolha de animal doente.
Hospital veterinário só devia ter em Aquidauana a
cidade vizinha.
E
Não havia recursos de levar um bicho daquele
tamanho pra ser cuidado
por alguém, eu e meu
irmão era criança.
E
o cão foi definhando até ficar quase só a caveira andando em pé,
o corpo vigoroso daquele cachorrão sadio que tinha vindo da fazenda.
Se degradou.
E
por fim ossudo e horroroso, ele acabou ficando
também louco !
Ele via uma pessoa vindo, ele já erguia bem a cabeça e
as orelhas. Olhava as pessoas como se tivesse vendo alucinações,
ele avançava nas pessoas rosnando e mostrando bem todos os dentes.
Só que ainda bem que ele não tinha forças para correr
atrás de
ninguém.
Foi numa manhã fria e chuvosa de garoa fina.
Que eu vi
dias depois que ele estava mal, sua agonia estava finalmente
terminando, a perda de apetite, de sangue, da carne da cara, ficando
com aquele osso à mostra...
E
a infecção generalizada, agora tinham feito o seu efeito.
E
estavam dando cabo da vida e do sofrimento
daquele animal que outrora
tinha sido um cão
alegre e brincalhão.
Ele deitou-se bem debaixo da minha janela de
madeira.
Daquelas que eram de abrir puxando pra dentro.
Era de
fechar com uma tramela.
Eu
ainda fiz barulho para mexer com ele mas ele
nem mais reagiu.
Tudo
ao seu redor agora era indiferente.
Deitou-se embaixo de uma goteira do telhado e
apenas
respirava fracamente.
Aquele buracão no seu olho fervilhava de coró
como sempre.
Cheio de um liquido preto e um bando de corós
muito
gordos e igualmente pretos começaram a sair
e se jogar em direção
à areia molhada.
O final chegou muito lentamente, toda hora eu ia lá
olhar e via que ele ainda estava respirando.
Fracamente.
Até
que por fim não estava mais mexendo nada, e o
seu pulmão e as
costelas aparentes que ficavam à
mostra estavam imóveis...
Eu
ficava olhando aquelas costelas e aquele corpo
morto.
Que até mesmo
os vermes já abandonavam porque
nem poderiam extrair mais a sua vida
dali.
Porque ainda chovia, nós nada fizemos além de ver
que
o animal estava ali agora e seria questão de
tempo até ele começar
a se apodrecer de uma vez.
Assim que a chuva passou nós o levamos amarrado
arrastando pela rua até um pedaço bem afastado
dali de nossa casa e
o levamos até perto de um
enorme terreno despovoado que era tomado
pelo
mato.
Largamos ali o cadáver do cachorro, sem enterrar
e nem
fazer mais nada.
Dias depois lembramos quando a gente passava por
ali por
perto.
Naquela altura da rua e nós vimos que o matagal
que
existia ali tinha sido queimado e os pobres
despojos apareciam desde
longe, carbonizados e
podres.
Prestes a desaparecer.
Por fim ficaram apenas os
ossinhos.
No
fim da vida de qualquer ser vivo está
estabelecida que um dia
sobrevirá a morte.
Mas até mesmo para morrer o dia e até a hora pode
ser
adiado ou até mesmo amenizado.
Me
vem na ideia a sensação de que cada vez mais
os seres humanos estão
desumanos uns com os
outros e o cão que era o melhor amigo do homem
deve estar com as barbas de molho.
Com medo de ser trocado por algum tamagochi ou
até
mesmo um gato.
No
mundo que cada vez mais esta corrido e onde a
gente cada vez mais
tenta optar pelo politicamente
correto.
Quando vai chegar a hora, se
é que chega algum
dia.
De
tratar com justiça e humanidade até mesmo um
animal... Pra que o bicho possa ser chamado com
justiça, O MELHOR AMIGO DO HOMEM.
E o homem deixe de ser o melhor inimigo de
qualquer animal.
animal... Pra que o bicho possa ser chamado com
justiça, O MELHOR AMIGO DO HOMEM.
E o homem deixe de ser o melhor inimigo de
qualquer animal.
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