sábado, 25 de janeiro de 2014

O CÃO. MELHOR INIMIGO



Olha, todo mundo tem o direito de ser o herói em 
suas próprias histórias, da mesma forma que me 
dispus aqui a contar algumas coisas selecionadas 
dos tipos mais absurdos que eu já fiz.
Também tenho vontade de contar algumas coisas 
que eu vi na minha vida, mas que pareceria que é 
impossível que pudesse acontecer...
Quero apenas dizer aqui que cada ato bom ou mau 
que o homem seja capaz de executar, haverá de ter 
uma consequência.
E às vezes a gente nem se da conta do alcance de 
tudo o que faz.
Essa passagem eu vi acontecer na época que eu era 

criança.

Quando então eu mudei do Conjunto Bonança em 

Campo Grande, para morar lá em Anastácio.

Na nossa casa que era pequena e não tinha nem a 

luz elétrica. Era muito pobre, parecia que ia cair 

de tão velha, mas era nossa.

E por uns tempos tivemos por vizinho um velho 

peão de fazenda de quase uns 60 anos que se 

chamava seu Cornélio.

Esteve morando bem perto, alugando um quartinho 

bem do lado de nossa casa.

Ele viajava a cavalo e andava em comitivas de 

transporte de gado desde a sua mocidade.

Na época sempre saía a trabalhar em fazendas 

mesmo agora que já era um idoso.

Era ainda forte e tinha uma égua baia muito dócil, 

a gente brincava muito com ela e com a cachorra muito mansa que ele tinha.

Numa de suas idas e vindas o velho foi trabalhar 

numa fazenda e quando voltou veio acompanhado 

de dois cachorros campeiros de fazenda muito 

grandes e que gostavam de andar com ele.

Um deles tinha a cara e a boca igual à de um pit 

bull.

 Era um cachorro muito alto e forte como um touro.  
O outro era mais alto ainda, mas tinha focinho 

comprido e era um pouco mais claro.

O mais manso deles era esse, meio claro, quase 

branco.

O outro que tinha cara de pit bull era mansinho 

com gente, mas todo cachorro de chácara em geral, tem algum vício ou defeito.

Alguns comem galinhas, outros comem ovos. 

Muitos gostam de brigar. Outros não gostam de 

gente...













O defeito desses dois cachorros era mais grave. Era 

um defeito terrível para quem morava ali no centro 

de Anastácio.

Na nossa rua, aquilo era uma cidade do interior onde tudo era perto e o maior meio de transporte a ser usado era a bicicleta.
 E naquela época do início da década de 1980 ali naquele interior de Mato Grosso do Sul, todo mundo andava armado !

Sim! E o defeito daqueles dois cachorros era 

justamente atropelar e avançar em todo ciclista que 

passasse...

E eram ferozes e grandes o bastante para assustar 

qualquer pessoa e derrubar alguém da bike até.

Eles não iam morder ninguém, mas é claro que os 

povo não sabia disso né. Tinham medo e até caía 

da bicicleta.

Numa noite daquelas, escura e sombria. Na esquina 

de nossa rua nem luz no poste não tinha.

Alguém andou atirando com uma arma de calibre 

22 por ali.

E as noites, aqueles dois cachorros passavam dando 

carreirões nos ciclistas que passavam.

Alguém atirando por ali naquela hora da noite não 

era nenhuma novidade. Nem aqueles latidos todos.

  Mas numa manhã daquelas a gente notou que 

aquele cachorro que a cara parecia ser de pit bull, 

estava deitado e meio triste.

Ficou embaixo da mesa no quintal de casa e não 

estava abrindo um lado de seus olhos e parecia que 

estava até meio inchado.

A gente notou que tinha um furinho na parte de 

baixo bem no cantinho do olho, bem pertinho da 

parte onde faz a emenda com o nariz para formar o 

focinho.

O olho ainda estava em condição de abrir mas só 

ficava fechado e o cachorro ficava incomodado 

com o tanto de moscas de vareja que rodeavam a 

sua cara para lamber o seu sangue...

E esse foi apenas o começo de uma história que 

tinha toda característica para ter se tornado um 

pesadelo.

 Dentro de algum tempo com tanta mosca que 

sentava por ali, começaram a nascer larvas e vareja 

que se infiltraram para dentro do furinho da bala.

A gente nem conhecia direito aquele cachorro 

enorme, não tinha costume com ele.

 Tentamos jogar de longe um pouco de desinfetante pinho para espantar as moscas e as larvas. Mas até onde se sabe, as larvas é preciso retirar uma por 
uma até limpar de vez a ferida.

Eu não sei que crueldade pode levar o ser humano 

ser mau com um animal amigo e nobre como um cachorro do tipo daquele.
Mas se o cão é o melhor amigo do homem. O 

melhor inimigo do cachorro é mesmo a pessoa 

humana. A gente vê que batem neles, torturam, 

jogam para morrer dentro de corguinho. Ou depois 

de morto.

Soltam nas ruas quando não os querem mais.

 E tem gente até queimando vivo !

Teria sido mais bondoso esse cara ter matado logo 

duma vez aquele cachorro ou qualquer outro. 

Porque não deu logo um veneno ou algo assim se 

tinha era essa raiva toda do animal ?

Porque o horror que aquele tiro no cantinho do 

olho causou, foi tanto e tão grande que mesmo a 

pior das criaturas bestiais não merecia ter tido um 

destino como aquele.

Até quando o ser humano vai insistir em ser o 

melhor inimigo dos animais ?

Espero que ele tenha tido a chance de pelo menos 

alguma vez ter passado por ali e visto a desgraça 

que ele criou dando aquele tiro.

As larvas entraram através daquele furinho, mesmo 

a gente jogando o pinho sol. As moscas botaram 

ovos que se desenvolveram em larvas. Essas larvas 

começaram a crescer ali dentro da ferida.

Essa ferida foi aumentando de tamanho.

Ele coçava com a pata enorme o tempo todo. Por 

fim aconteceu o que já era de se esperar, ter larvas 

vivas andando dentro da cara e comendo a carne 

em putrefação acabou lhe vazando o olho daquele lado !

E foi daí sim, que começou o horror de verdade...

O buraco enorme da órbita ocular totalmente vazia 

se alargou enquanto apodrecia, e ficou cheio de um 

líquido podre, onde nadavam, andavam e se 

desenvolviam mais e mais larvas.

Quando aquele cachorrão chacoalhava a cabeça, se 

espirrava aquele líquido podre e se espalhavam 

corozinhos em todas as direções possíveis.

E quando ele deitava, ficava pingando o liquido e 

os coró ficavam descendo e caindo no chão, mas o 

estoque era inesgotável de larvas porque sempre 

novas moscas sentavam mais e mais varejas todos 

os dias.

A gente ainda dava comida e água para o cão mas 

ele perdia peso dia após dia.

A gente agora tinha medo de chegar muito perto 

dele e espirrar aquele líquido pútrido na gente. Ele 

andava pela rua e pelos quintais ao redor.  Causando nojos e horror em todo mundo que ousava olhar para ele.
 Eu era criança, mas tinha um estômago de avestruz, não tinha nojo de quase nada mas até em mim ver a cara daquele cachorro de longe ou de perto já me dava nojo.

E a gente esperava ele sair de perto para sair pra 

fora de casa e fazer as tarefas.

 Nunca nem eu nem meu irmão, num tentava mais tocar naquele animal.

Era só de longe. E, até logo, até logo!

Ele andou muito por lá pela rua, mas tinha parado 

de correr atrás das bicicletas devido a atual 

debilidade de sua saúde.

Do seu Cornélio que era o dono do animal a gente 

não tinha mais notícias. Ele tinha sumido para 

a fazenda e o outro cachorrão tinha ido com ele e 

só o perebento foi o que ficou para trás.

Acontecia uma coisa engraçada lá em Anastácio 

naquela época de 1982.

 Não tinha carrocinha, nem serviço público de 

recolha de animal doente.

 Hospital veterinário só devia ter em Aquidauana a 

cidade vizinha.

 E Não havia recursos de levar um bicho daquele 

tamanho pra ser cuidado por alguém, eu e meu 

irmão era criança.

E o cão foi definhando até ficar quase só a caveira andando em pé, o corpo vigoroso daquele cachorrão sadio que tinha vindo da fazenda. Se degradou.
E por fim ossudo e horroroso, ele acabou ficando 
também louco !
Ele via uma pessoa vindo, ele já erguia bem a cabeça e as orelhas. Olhava as pessoas como se tivesse vendo alucinações, ele avançava nas pessoas rosnando e mostrando bem todos os dentes. Só que ainda bem que ele não tinha forças para correr 
atrás de ninguém.
Foi numa manhã fria e chuvosa de garoa fina.
 Que eu vi dias depois que ele estava mal, sua agonia estava finalmente terminando, a perda de apetite, de sangue, da carne da cara, ficando com aquele osso à mostra...

E a infecção generalizada, agora tinham feito o seu efeito.

 E estavam dando cabo da vida e do sofrimento 

daquele animal que outrora tinha sido um cão 

alegre e brincalhão.

Ele deitou-se bem debaixo da minha janela de 

madeira.

Daquelas que eram de abrir puxando pra dentro. 

Era de fechar com uma tramela.

Eu ainda fiz barulho para mexer com ele mas ele 

nem mais reagiu.

 Tudo ao seu redor agora era indiferente.

Deitou-se embaixo de uma goteira do telhado e 

apenas respirava fracamente.

 Aquele buracão no seu olho fervilhava de coró 

como sempre.

Cheio de um liquido preto e um bando de corós 

muito gordos e igualmente pretos começaram a sair 

e se jogar em direção à areia molhada.

O final chegou muito lentamente, toda hora eu ia lá 

olhar e via que ele ainda estava respirando. 

Fracamente.

Até que por fim não estava mais mexendo nada, e o 

seu pulmão e as costelas aparentes que ficavam à 

mostra estavam imóveis...

Eu ficava olhando aquelas costelas e aquele corpo 

morto.

 Que até mesmo os vermes já abandonavam porque 

nem poderiam extrair mais a sua vida dali.

Porque ainda chovia, nós nada fizemos além de ver 

que o animal estava ali agora e seria questão de 

tempo até ele começar a se apodrecer de uma vez.

Assim que a chuva passou nós o levamos amarrado 

arrastando pela rua até um pedaço bem afastado 

dali de nossa casa e o levamos até perto de um 

enorme terreno despovoado que era tomado pelo 

mato.

 Largamos ali o cadáver do cachorro, sem enterrar 

nem fazer mais nada.

Dias depois lembramos quando a gente passava por 

ali por perto.

Naquela altura da rua e nós vimos que o matagal 

que existia ali tinha sido queimado e os pobres 

despojos apareciam desde longe, carbonizados e 

podres.

Prestes a desaparecer.

 Por fim ficaram apenas os ossinhos.

No fim da vida de qualquer ser vivo está 

estabelecida que um dia sobrevirá a morte.

Mas até mesmo para morrer o dia e até a hora pode 

ser adiado ou até mesmo amenizado.

Me vem na ideia a sensação de que cada vez mais 

os seres humanos estão desumanos uns com os 

outros e o cão que era o melhor amigo do homem 

deve estar com as barbas de molho.

Com medo de ser trocado por algum tamagochi ou 

até mesmo um gato.

No mundo que cada vez mais esta corrido e onde a 

gente cada vez mais tenta optar pelo politicamente 

correto.

 Quando vai chegar a hora, se é que chega algum 

dia.



De tratar com justiça e humanidade até mesmo um 

animal...  Pra que o bicho possa ser chamado com 

justiça, O MELHOR AMIGO DO HOMEM.

E o homem deixe de ser o melhor inimigo de 

qualquer animal.

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